11 nov 2020

A readaptação como forma de evitar o limbo previdenciário trabalhista

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Série “Limbo Previdenciário Trabalhista” – Texto 7

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Conforme corrente jurídica majoritária, ressalvadas as possibilidades previstas no art. 473 da CLT, com o término/negação da concessão do benefício previdenciário, o contrato de trabalho não está suspenso e, portanto, não se encaixa na situação prevista na CLT, art. 476 e Lei n. 8.213/1991, art. 63, mesmo que o empregado tenha interposto recurso administrativo ou processo judicial em face do INSS e se encontre aguardando as respectivas decisões ou nova perícia. Nesse caso, o contrato já está em plena vigência, ainda que o empregado esteja sem trabalhar e apenas à disposição do empregador (enquadrando-se no artigo 4º da CLT). O tempo, nessa condição, deve ser remunerado como se o trabalhador estivesse, efetivamente, trabalhando.

Nesse contexto, a possibilidade de remanejar o trabalhador para função compatível temporariamente ou definitivamente (readaptação) deve ser considerada. Nessa esteira, veio o seguinte julgado:

“Comprovada a tentativa do autor de retornar ao trabalho e atestada a sua capacidade pela autarquia previdenciária, cabia a reclamada, no mínimo, readaptar o obreiro em função compatível com a sua condição de saúde, e não simplesmente negar-lhe o direito de retornar ao trabalho, deixando de lhe pagar os salários.” (RO 01096-2009-114-03-00-4)

Quais os riscos jurídicos quando a empresa realiza a readaptação do trabalhador? Desde que a readaptação seja feita com segurança, para um posto de trabalho inócuo (não nocivo) à saúde do trabalhador, os maiores riscos jurídicos para empresa recaem sobre a alegação futura, por parte do trabalhador, do chamado “desvio de função”.

Entendo que na readaptação não há a configuração do típico “desvio de função”, já que este último é um expediente comumente usado para fins de pagamentos de menores salários a quem deveria, pelas funções exercidas, receber mais.

No caso da readaptação, no entanto, a questão é bem outra. O motivo da mudança da atividade laboral se justifica pela preservação da integridade do empregado (evitando agravos a sua saúde e possibilidade de acidentes) e de sua dignidade (também obtida através da manutenção do seu salário, do seu sustento, de sua permanência no mundo do trabalho).

Essas questões, além de evidenciarem a boa-fé objetiva do empregador (art. 422 do Código Civil), entendo serem mais nobres e elevadas do que qualquer discussão de natureza salarial, conforme se aduz do art. 1º, inciso III; e do art. 5º, caput, da Constituição Federal, quando estabelecem a dignidade da pessoa humana e o direito à vida, respectivamente, como alguns de seus fundamentos.

No mesmo espírito veio o entendimento do art. 62, § 2º, da Lei n. 8.213/1991 (com redação dada pela recente Lei n. 13.846/2019):

A alteração das atribuições e responsabilidades do segurado compatíveis com a limitação que tenha sofrido em sua capacidade física ou mental não configura desvio de cargo ou função do segurado reabilitado ou que estiver em processo de reabilitação profissional a cargo do INSS.

Conquanto o texto da lei transcrita esteja tratando especificamente sobre segurados reabilitados ou em processo de reabilitação profissional pelo INSS [nota: a reabilitação profissional é atribuição legal do INSS], entendo que, analogicamente, é plenamente adequado o mesmo raciocínio para empregados readaptados ou em processo de readaptação pela empresa [nota: a readaptação sim é atribuição do empregador]. Isto porque, em última instância, o que se busca é a alteração das atribuições e responsabilidades do trabalhador no sentido de torna-las compatíveis com a limitação que tenha sofrido em sua capacidade física ou mental, seja isso realizado pelo INSS (através da reabilitação) ou pela empresa (através da readaptação).

Tais argumentos precisam ser enfatizados na defesa da empresa caso, em condições similares as que descrevi nesse texto, haja algum processo judicial alegando “desvio de função” e suas repercussões salariais.

No próximo texto dessa série, abordarei um outro risco jurídico possível em casos de readaptação: a alegação pelo trabalhador de “trabalho indigno” e/ou “ociosidade forçada”. Até lá!

Autor: Marcos Henrique Mendanha (Instagram: @professormendanha): Médico do Trabalho, Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas. Advogado especialista em Direito do Trabalho. Autor do livro “Limbo Previdenciário Trabalhista – Causas, Consequências e Soluções à Luz da Jurisprudência Comentada” (Editora JH Mizuno), e “Medicina do Trabalho e Perícias Médicas – Aspectos Práticos e Polêmicos” (Editora LTr). Coautor do livro “Desvendando o Burn-Out – Uma Análise Multidisciplinar da Síndrome do Esgotamento Profissional” (Editora LTr). Diretor e Professor da Faculdade CENBRAP. Mantenedor dos sites SaudeOcupacional.org e MedTV. Coordenador do Congresso Brasileiro de Medicina do Trabalho e Perícias Médicas, e do Congresso Brasileiro de Psiquiatria Ocupacional. Diretor Técnico da ASMETRO – Assessoria em Segurança e Medicina do Trabalho Ltda (Goiânia/GO). Colunista da Revista PROTEÇÃO.

Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista Marcos Henrique Mendanha, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.

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